Por Hermes C. Fernandes
Sem que fossem julgados, Paulo e Silas foram arbitrariamente
presos como se fossem inimigos públicos número um dos cidadãos filipenses. Seu
crime: libertar uma jovem possessa por um espírito de adivinhação, fonte de
enorme lucro para os seus senhores.
Apesar de endemoninhada, ela não estrebuchava, espumava ou
fazia qualquer coisa semelhante às cenas do filme “O exorcista”. Ela apenas
adivinhava coisas. Todos diziam que aquilo era um dom. Logo surgiram os
espertalhões querendo se locupletar do tal “dom”.
Foram vários dias sendo seguidos por ela e ouvindo dos seus
lábios: “Estes homens, que nos anunciam o caminho da salvação, são servos do
Deus Altíssimo” (At.16:17). Não duvido que isso tenha atraído a atenção de
muita gente, aumentando consideravelmente o número dos que demonstravam
interesse pelo o que Paulo e Silas pregavam.
Que pregador de nossos dias se incomodaria com uma
propaganda gratuita como esta? Porém, Paulo sentiu-se perturbado. Não era ético
que a aceitação do evangelho naquela região dependesse do testemunho de quem
sequer havia sido alcançado por ele. Não era ético aproveitar-se do “dom”
daquele jovem como faziam os seus senhores.
A ética do evangelho não permite que seus portadores se
atrevam a tirar vantagem de quem quer que seja, ainda que para o bem da causa.
Se Paulo aceitasse passivamente aquilo, ele estaria agindo exatamente como os
homens que se aproveitavam daquela menina.
O que ela dizia acerca deles era incontestavelmente
verdadeiro. Eles anunciavam o caminho da salvação e eram servos do Deus
Altíssimo. Isso era tão verdadeiro quanto o que o diabo dissera a Jesus no
deserto ao citar passagens bíblicas. Porém, Jesus sabia que não importava
apenas a veracidade do que era dito, mas também a fonte de onde aquilo jorrava.
Por isso, Ele responde ao tentador: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda
a palavra que sai da boca de Deus” (Mt.4:4). A proveniência é que confere
autenticidade ao que se diz. Não se pode esperar que uma fonte de águas amargas
jorre águas potáveis. Mesmo que o diabo diga alguma verdade, sua intenção é
sempre o engano. Seus agentes neste mundo são os que “detêm a verdade pela
injustiça” (Rm.1:18).
Verdade dita com a intenção de enganar nada mais é do que
mentira.
Paulo não está preocupado com os resultados positivos
daquela propaganda, e sim com o estado deplorável daquela alma explorada.
Pergunto-me se a igreja de hoje não estaria sendo
condescendente com o erro na medida em que se aproveita dele para locupletar-se.
Permita-me um exemplo: seria ético usar elementos de outros cultos para atrair
pessoas à fé cristã? Desde quando Deus precisa de estratégias enganosas para
conduzir pessoas à verdade? Os meios justificam os fins? Vale tudo para encher
a igreja? É correto entrevistar pessoas possessas em nossos púlpitos? E manter
as pessoas presas em suas superstições? Já ouvi de casos de pastores que
ameaçam as pessoas dizendo que se deixarem suas igrejas serão vítimas dos
mesmos espíritos de que foram libertas. Não concebo Jesus ou Seus apóstolos
usando de tais artifícios vergonhosos para manter alguém preso a eles.
Se Jesus lançasse mão de tais artifícios, Ele diria ao
gadareno de quem expulsou uma legião de demônios: Para ficar totalmente
liberto, terá que fazer uma corrente de pelo menos mil dias. Em vez disso,
mesmo insistindo para segui-Lo, Jesus o dissuadiu, dizendo: “Vai para tua casa,
para os teus, e anuncia-lhes quão grandes coisas o Senhor te fez, e como teve
misericórdia de ti” (Mc. 5:19).
Quantos são tidos por reféns dos sistemas eclesiásticos em
nossos dias? Até que ponto isso não tem comprometido o seu testemunho diante de
sua família?
A verdade é que não há interesse de que as pessoas sejam
realmente libertas. Isso seria contraproducente. Em vez disso, prefere-se
mantê-las sequestradas por suas superstições.
A genuína libertação não se opera meramente através de
orações e exorcismos, mas pela exposição da verdade. “Conhecereis a verdade”,
garantiu Jesus, “e a verdade vos libertará”. Se houvesse interesse na
libertação das pessoas, a Bíblia seria aberta e exposta em vez de servir apenas
como enfeite no púlpito.
Há pessoas que frequentam estas franquias religiosas por
anos e sequer conhecem o abecedário do Evangelho. Seguem alimentando crendices,
dependendo de amuletos, e enchendo os cofres desta famigerada indústria.
Réplicas da Arca da Aliança, cajados de Moisés, óleo supostamente
vindo de Israel, água benta, e mais um elenco infindável de objetos são usados
para atrair as multidões. Sem dúvida é o caminho mais eficaz para encher-se uma
igreja da noite para o dia. Já ouvi de alguns pastores o comentário sarcástico:
O povo gosta!
Bastou que Moisés se ausentasse por quarenta dias para que
Arão cedesse à pressão popular e aceitasse erigir um ídolo, um bezerro de ouro
para que o povo o cultuasse. Mas quando ninguém esperava, Moisés voltou e
acabou com aquela algazarra. Quero lembrar aos meus colegas, àqueles que têm
cedido à pressão das igrejas midiáticas: Cristo virá em glória! E cada um de
nós, pastores, terá que prestar contas do que lhe foi confiado. Reveja a
recomendação de Pedro: “Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, não
por força, mas espontaneamente segundo a vontade de Deus; nem por torpe
ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores sobre os que vos foram
confiados, mas servindo de exemplo ao rebanho” (1 Pe. 5:2-3). Nosso dever, como
pastores e guias do povo de Deus, é velar pelas almas como quem há de dar conta
delas (Hb.13:17).
Não ceda à pressão de quem quer que seja. Siga fiel. Pregue
a verdade. Não negocie princípios. Não se espelhe nos bem sucedidos empresários
da fé. Ainda que tenhamos muitos referenciais, Cristo é o nosso padrão.
Fonte:
http://www.hermesfernandes.com/2013/06/o-marketing-perverso-das-igrejas.html
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